Se encontram em tramitação na Câmara dos Deputados projetos de lei para um novo Código Eleitoral e para um inédito Código de Processo Eleitoral. Sobre o assunto, noticia a imprensa que a relatora da comissão, Margarete Coelho (PP-PI), “pretenderia alterar regras sobre o coeficiente eleitoral e cláusulas de desempenho, propaganda eleitoral, crimes eleitorais e financiamento de campanha”[1].
Em meio a tantas questões urgentes que chamam atenção do nosso país e de nossos legisladores, talvez as matérias eleitorais possam ser consideradas menos relevantes, mas, certamente, não é bem assim.
A atual legislação, em muitos aspectos, afasta o eleitorado da política, o que parece irracional tendo em vista a rejeição aos nossos mandatários e o desejo generalizado pela renovação política.
Nossas leis eleitorais merecem atenção e aprimoramento, e podem contribuir no atendimento de nossos anseios quanto à valorização da política, mas para isso precisamos melhorar a legislação no quesito das liberdades. Explico:
Muitos talvez não se lembrem, mas a política e o processo eleitoral já viveram dias melhores. Como em muitas partes do mundo, a eleição era também uma festa cívica, com envolvimento entusiasmado do eleitorado. As cidades se enchiam de faixas de propaganda, havia uma profusão de carreatas e panfletos de candidatos colados em muros e postes da cidade, e falava-se sobre candidaturas e plataformas eleitorais com ampla liberdade em qualquer veículo de comunicação. As eleições pulsavam forte e tinham ressonância no eleitorado.
No entanto, aos poucos surgiram críticas à propaganda eleitoral hipertrofiada. Questionou-se, por exemplo, a poluição visual, o lixo nas ruas, o desperdício de recursos, o favorecimento de determinados candidatos por emissoras de rádio e televisão.
Nesse contexto surgiu a lei das eleições em 1997, que trouxe uma série de restrições ao processo político e eleitoral. Ainda que se reconheçam avanços, a legislação eleitoral também atuou para minar o interesse dos cidadãos pela política, juntamente com outros fatores. Trago alguns exemplos:
Um dos pilares da lei é o cronograma rígido de campanha. As candidaturas ou pré-candidaturas ficam impedidas de realizarem propaganda antes da data legal. A ideia é propiciar um ambiente de igualdade em que a disputa tenha a mesma “linha de largada” para todos os candidatos. Toda a lógica do sistema orbita nesse ideal de justiça e de igualdade de oportunidades. No entanto, a ironia é que há mais de vinte anos essa proibição vem frustrando a espontaneidade da construção de candidaturas, que são expostas ao público apenas em um curtíssimo período de tempo, do dia 15 de agosto até o dia da eleição no primeiro domingo de outubro. Ocorre que essa ficção legal, assegurada por pesadas multas, ignora que as candidaturas levam tempo para maturar, pois são fruto de ampla discussão e de experimentos políticos. É sintomático, portanto, que as candidaturas tenham se empobrecido politicamente ao longo dos anos. Desconectadas da sociedade, a política e os políticos são vistos com descrédito crescente.
Outro exemplo: a lei impõe demasiadas amarras à realização dos debates eleitorais na TV, com exigência de número mínimo de participantes. O formato legal, embora considerado isonômico pela legislação, é tão desinteressante para a audiência como também para os órgãos de comunicação que não querem realizá-los. Não é por acaso, portanto, a insuficiência de debates relevantes nas últimas eleições municipais.
Há ainda a lei da Ficha Limpa de 2010, que trouxe impedimentos extremamente severos a candidaturas. Hoje se discute possíveis excessos dessa legislação e os seus benefícios concretos.
Não bastassem esses exemplos, ao longo do tempo se avolumaram reformas legislativas equivocadas. Como um garrote legal, diversas restrições à propaganda foram adotadas com pouquíssimos ganhos. Os outdoors foram proibidos em 2006, juntamente com a propaganda em forma de camisetas, chaveiros, bonés e canetas. Igualmente foram banidos os shows artísticos em comícios. Foram vetadas em 2015 a fixação de faixas ou bandeiras em residências privadas e veículos automotores, sendo permitido adesivos de apenas meio metro quadrado. No mesmo ano de 2015 o tempo de propaganda foi reduzido e foram proibidas cenas externas no horário gratuito de TV nas quais o candidato não comparecesse pessoalmente.
Em resumo, existe hoje um complicado sistema de proibições eleitorais, que restringe candidaturas, restringe o debate, e restringe a propaganda.
Infelizmente nesse solo árido de restrições legislativas não colhemos bons frutos de renovação e de conscientização do eleitorado. Muito pelo contrário, o engessamento do processo eleitoral afastou o cidadão comum, em um círculo vicioso na política que já dura tempo demais.
Considerando que não é possível esperar resultados diferentes com soluções restritivas repetidas há anos, o engajamento do eleitorado e o entusiasmo com a política apenas poderá voltar com o incremento da liberdade e a simplificação as regras eleitorais
[1] https://www.oantagonista.com/brasil/lira-discute-reforma-politica-com-barroso-e-leva-relatora-da-pec-da-impunidade/