Direito eleitoral – O mandato coletivo é viável?

Direito eleitoral – O mandato coletivo é viável?

A proposta é no mínimo curiosa: ao invés de escolher um representante no Legislativo, o eleitor escolheria um grupo. Para o efeito legal da eleição o grupo estaria representado na urna por um nome só, mas quem exerceria o mandato seria o coletivo, em pé de igualdade.

Por trás disso estaria a ideia de mudar a “cara” do Parlamento, com o incremento da diversidade.

No entanto, por mais bem intencionada que seja a proposta, a mudança na política apenas pode ocorrer dentro dos limites da democracia.

Não existe mandato coletivo no Brasil. E isso não por razões “meramente” formais do Direito, mas porque se este fosse exercido como querem os seus defensores, poderia haver grave distorção de representatividade dentro do Parlamento e, em consequência, em nossa democracia.

O mandato já é uma forma de representação coletiva. Os deputados representam os indivíduos que neles votaram e que simpatizam com suas ideias. Pode-se analisar o Parlamento por matizes ideológicos, por grupos de interesse, etc. Mas o fato é que a sociedade está lá representada, e os grupos que receberam mais votos têm mais força porque “possuem” mais deputados.

Sob o ponto de vista individual, cada mandato tem o mesmo peso dentro do Parlamento. Todos os mandatários são pares entre si, têm direito ao uso da palavra, ao voto e se responsabilizam pessoalmente perante o eleitorado.

Os defensores do “mandato coletivo” encaram como preconceito o fato de que os parlamentos têm negado a palavra aos “representantes” que não se elegeram formalmente nas eleições. O problema não é de preconceito, mas de representatividade.

Se fossem permitidos voz e voto aos “mandatários coletivos”, haveria uma hipertrofia de suas funções em prejuízo dos demais pares. Querem os defensores da proposta uma verdadeira ubiquidade dos “mandatários coletivos” no legislativo: um votando, outro discursando e outro atuando em CPI.  Diante desse artifício, como ficariam os demais eleitos?

O mandatário não está no Parlamento apenas por si, mas para a representação de seus eleitores. Ou seja, a sub-representação do mandatário é também a sub-representação de seu eleitorado. Por isso que a ideia do “mandato coletivo” não é compatível com a paridade entre os representantes do povo e com a representatividade proporcional destes obtida nas eleições.

Além disso, a coletivização do mandato significa igual coletivização da responsabilidade. Isso preocupa, pois o eleitorado precisa saber quem é o responsável, sem subterfúgios.

Há ainda as consequências imprevisíveis e danosas decorrentes da pulverização do mandato, como, por exemplo, a questão da ineficiência, que comportaria imensas discussões.

De todo modo, admitida a proposta, o que impediria a sua adoção no Executivo ou no Judiciário? A judicatura poderia ser exercida em grupo? A Presidência da República também?

Em resumo, o “mandato coletivo” não é viável porque distorce a vontade do eleitorado no Parlamento, cria categorias e subcategorias de mandatários e ainda pulveriza as responsabilidades.

  • Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em 14.10.2020
Marcelo Certain Toledo